COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E
JUSTIÇA E DE REDAÇÃO
PROJETO DE LEI Nº 2.300, DE 1996
(APENSADOS OS PROJETOS DE LEI N.OS 3.755,
DE 1997, 4.529, DE 1998, 926, DE 1999, E 5.850, DE 2001)
Suprime o inciso VI do artigo 28 e
altera o inciso II do artigo 30 da Lei n.º 8.906, de 4 de julho de 1994, que
“dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil –
OAB”.
Autor: Deputado Jair
Bolsonaro
Relator: Deputado José
Roberto Batochio
I - RELATÓRIO
A proposta em exame, Projeto de Lei
n.º 2.300, de 1996, de autoria do ilustre Deputado Bolsonaro, pretende afastar
os militares, de qualquer natureza, do elenco das categorias incompatíveis com
o exercício da advocacia.
Para tanto, propugna que, a exemplo
do que ocorre com os funcionários civis, os militares sujeitem-se, apenas, às
conseqüências da situação de impedimento para o desempenho do mister contra ou
a favor de pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades
de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas
concessionárias ou permissionárias de serviço público, permanecendo-lhes,
assim, autorizado o exercício da advocacia em relação às demais pessoas
jurídicas e às físicas.
À proposição, que tramitou na
legislatura passada, sendo desarquivada nesta, foi apensado o Projeto de Lei de
n.º 3.755, de 1997, do Deputado Nelson Harter, que pretende incluir parágrafo
ao art. 30 da Lei n.º
8.906/94, dispondo que os Vereadores se encontram em
impedimento para o exercício da advocacia somente se as pessoas nomeadas no
inciso II do mesmo artigo tiverem relacionamento com o seu Município.
Igualmente
ocorreu-lhe a apensação do Projeto de Lei n.º 4.529, de 1998, do Deputado
Gonzaga Patriota, que visa à revogação dos incisos IV, V, VI e VII do art. 28
da Lei n.º 8.906/94, os quais, por sua vez, estabelecem a incompatibilidade com
o exercício da advocacia dos:
“IV
– ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer
órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro;
V
– ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade
policial de qualquer natureza;
VI
– militares de qualquer natureza, na ativa;
VII
– ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento,
arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais.”
Ao
depois, foi-lhe apensado também o Projeto de Lei n.º 936, de 1999, do Deputado
Edinho Bez, que acresce o parágrafo 3º ao art. 28 da lei citada, determinando
que, nos municípios de pequena expressão populacional – assim definidos pelo
Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Estado ao qual pertençam
–, os membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais não
estarão incompatíveis com o exercício da advocacia.
Finalmente,
o projeto original recebeu novo apenso, o Projeto de Lei n.º 5.850, de 2001, do
Dep. Max Rosenmann, que promove alteração no inciso I do artigo 28 da Lei n.º
8.906, de 1994, visando a excluir do rol das incompatibilidades com o exercício
da advocacia o desempenho de funções de membro da Mesa do Poder Legislativo.
Ressalte-se,
por oportuno, que a nenhum dos projetos acima mencionados foram oferecidas
emendas.
Finalmente,
em atendimento ao estatuído pelo inciso II do art. 24, c/c as alíneas
"a" e "d" do inciso III do artigo 32 do Regimento Interno,
foi
submetido a esta C.C.J.R. para o indispensável exame
da sua constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e redacional e de
mérito, fase em que ora se encontra.
É o
relatório.
II
- VOTO DO RELATOR
Incumbe,
privativa e terminativamente, a esta C.C.J.R. exercer o juízo das proposições
acima elencadas, conforme o determinado pelo artigo 54, I, do Regimento
Interno.
Analisando-as,
verifico que tanto o Projeto de Lei n.º 3.200/96 quanto os que lhe estão
apensados revelam-se incapazes de superar os óbices à sua regular tramitação
nesta Casa. Senão, vejamos.
Pretendem
todas as proposições relacionadas excluir do rol das categorias incompatíveis
com o exercício da advocacia atividades que, por sua própria natureza, com ela
não se coadunam. Destaque-se que a incompatibilidade é a vedação genérica ao
exercício da advocacia, enquanto que o impedimento é a proibição parcial do
desempenho daquele mister.
Nesse
sentido, os projetos de lei conflitam com o pré-requisito estabelecido
constitucionalmente para o exercício da advocacia, inserto no art. 133 da Carta
Magna, qual seja, a independência no desempenho de suas funções, bem
como com a própria natureza da função de advogado.
Ademais,
as proposições colidem também com os fundamentos teleológicos dos institutos da
incompatibilidade e do impedimento para o exercício da advocacia, bem
explicitados pela Exposição de Motivos do Conselho Federal à Lei n.º 4.215/63,
a seguir transcrita:
“Sem chegar ao rigor
usual na França, em que o exercício da profissão é incompatível com qualquer
função pública, atividade comercial, industrial ou simplesmente civil (artigos
4º, incisos 1º e 2º, 45 e 46 do
Decreto n.º 54.406, de 10-04-54), o anteprojeto
adotou o princípio de que a atividade da advocacia é incompatível com qualquer
atividade, função ou cargo público que reduza a independência do profissional
ou proporcione captação de clientela. E incluiu, entre as funções públicas
que podem determinar a incompatibilidade ou o impedimento, qualquer função
delegada exercida em comissão ou por servidor de entidade a quem o poder
público a tenha cometido por lei ou contrato. (...)”
(Transcrita
de “Comentários ao Estatuto da OAB e às Regras da Profissão de Advogado”,
Eugênio Haddock Lobo e Francisco Costa Netto, Editora Rio, janeiro de 1978,
p.192, sem destaque no original.)
Observa-se,
por oportuno, que mesmo a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que revogou a
Lei n.º 4.215/63, embora tenha trazido importantes inovações à matéria, não se
afastou destes pressupostos da lei revogada.
Diz,
a respeito, 1Paulo Luiz Netto Lobo, in “Comentários ao Estatuto da
Advocacia”, Ed. Brasília Jurídica, 2ª edição, 1996, pp. 120 e 121:
1 O Prof. Paulo Luiz Netto Lobo foi
o Coordenador e Relator da Comissão de Sistematização da OAB que elaborou o
anteprojeto do Estatuto, hoje Lei nº 8.906/94.
“O
atual Estatuto optou por uma enumeração taxativa, sem qualquer referência a
conceitos genéricos e indeterminados nem possibilidade de acréscimos mediante
Provimento. As hipóteses são referidas na lei, e apenas estas.
(...)
Destarte,
mantiveram-se as hipóteses clássicas ou tradicionais relacionadas a cargos e
funções que, por sua natureza, são incompatíveis com o exercício da advocacia,
não só por insuperável conflito de interesses mas por fortes motivações éticas,
nestes casos quando a função importa exercício de poder decisório relevante,
afetando o princípio da igualdade das oportunidades profissionais.
Os
impedimentos e incompatibilidades existem em todas as legislações do mundo
sobre a advocacia, desde quando o Imperador Justino, de Constantinopla, no
século VI, estruturou legalmente a profissão.”
(sem
destaque no original)
Da mesma tese
compartilham Orlando de Assis Corrêa,
Apio Cláudio de Lima Antunes, Jayme Paz da Silva e
Marco Túlio de Rose, autores de “Comentários ao Estatuto da Advocacia e da
Ordem dos Advogados do Brasil – OAB”, Aide Editora, 1995, pp. 118 a 124, para
quem a advocacia é incompatível com as atividades sob comento tanto em face
da natureza dos cargos atingidos como pela possibilidade de captação de
clientela, caracterizando concorrência desleal.
Especialmente
quanto aos militares na ativa, registram aqueles autores que eles “não podem
advogar, porque sua função e seu cargo exigem dedicação exclusiva e tempo
integral. O militar, quando na ativa, é considerado permanentemente em serviço,
e não seria compatível o exercício da advocacia com esta dedicação”.
No
que respeita aos Vereadores, que integram a Mesa do Poder Legislativo, ou os
seus substitutos, no exercício do cargo, dizem aqueles juristas que:
“...
os que exercem tais cargos nos municípios, que poderiam lembrar que são
desconhecidos, na maioria dos casos, fora do seu território, teriam grande
influência dentro dos municípios, talvez mais fortes que aquela referente aos
que detêm cargos estaduais ou federais, porque o universo de clientes e de
advogados, mais restrito, possibilita uma maior atenção aos que estão no poder
local”.
Por
outro lado, quanto aos ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou
indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos que exercem serviços
notariais e de registro, elencados no inc. IV do art. 28 do Estatuto vigente
como incompatíveis para o exercício da advocacia, diz o Prof. Paulo Luiz Netto
Lobo, obra cit., pp. 127/8, que:
“Este
aparente excesso de rigor é necessário para garantir a independência do
advogado, sobretudo em face da população. (...) O mais simples serventuário
pode exercer perigoso tráfico de influência na tramitação e resultado de
processos judiciais, tendo em vista seu convívio diuturno com juizes,
promotores e os auxiliares da justiça. O exercício da advocacia, nestas
circunstâncias, representa enorme risco à dignidade e à independência da
profissão”.
(sem destaque no
original)
Ressalta, ainda, o mesmo autor, a fls. 128/9 da obra
supramencionada, que, se os ocupantes de cargos e funções relacionados com a
receita pública fossem autorizados a advogar, “a tentação rondaria cada
passo desses importantes agentes públicos, que devem dedicar a suas tarefas
total exclusividade, com remuneração digna”.
Ao
fim, no que diz respeito aos policiais, a meu ver, é inconteste a
incompatibilidade de suas funções com o exercício da advocacia, vez que, com
toda a certeza, as informações privilegiadas de que são detentores em virtude
de suas atribuições funcionais possibilitariam não só a interferência sobre
inquéritos e demais procedimentos investigatórios, quanto mais a própria
captação de clientela.
Resulta
de todo o exposto que os projetos de lei acima referenciados se apresentam
inconstitucionais e injurídicos, por violar não só o art. 133 da CF mas também
a própria natureza da função de Advogado, segundo a disciplina da Lei n.º
8.906, de 4 de julho de 1994.
Ante
todo o expendido, voto pela rejeição do Projeto de Lei n.º 2.300, de 1996, e de
seus apensos, o Projeto de Lei n.º 3.755, de 1997, o Projeto de Lei n.º 4.529,
de 1998, o Projeto de Lei n.º 926, de 1999, e o Projeto de Lei n.º 5.850, de
2001, em face da sua inconstitucionalidade e injuridicidade, e, no mérito, por
seu improvimento.
Sala
da Comissão, em de de 2002.
Deputado
José Roberto Batochio
Relator
203143.166
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