RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.242 - SP (2009/0193701-9)
RECORRENTE : A. C. J. S.
ADVOGADO : ANTÔNIO CARLOS DELGADO LOPES E OUTRO(S)
RECORRIDO : L.
N. O. S.
ADVOGADO : JOÃO LYRA NETTO
RELATÓRIO
Cuida-se
de recurso especial
interposto por A. C. J. S., com fundamento no
art. 105, III, “a” e “c”,
da CF/88, contra acórdão proferido pelo TJ/SP.
Ação: de indenização por danos materiais e compensação
por danos morais, ajuizada por L. N. O.
S. em desfavor do recorrente,
por ter sofrido
abandono material e
afetivo durante sua
infância e juventude.
Sentença:
o i. Juiz julgou
improcedente o pedido
deduzido pela recorrida, ao
fundamento de que
o distanciamento entre
pai e filha
deveu-se, primordialmente, ao comportamento
agressivo da mãe em relação ao recorrente, nas situações
em que houve
contato entre as
partes, após a
ruptura do relacionamento
ocorrido entre os genitores da recorrida.
Acórdão: o TJ/SP deu provimento à apelação interposta
pela recorrida, reconhecendo o seu abandono afetivo, por parte do
recorrente – seu pai –, fixando a compensação
por danos morais em R$
415.000,00 (quatrocentos e quinze
mil reais), nos termos da seguinte ementa:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. FILHA HAVIDA DE
RELAÇÃO AMOROSA ANTERIOR. ABANDONO MORAL
E MATERIAL. PATERNIDADE RECONHECIDA
JUDICIALMENTE. PAGA AMENTO DA
PENSÃO ARBITRADA EM DOIS SALÁRIOS
MÍNIMOS ATÉ A
MAIORIDADE. ALIMENTANTE ABASTADO
E PRÓSPERO. IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO
Recurso
especial: alega violação
dos arts. 159
do CC-16 (186
do CC-02); 944 e
1638 do Código
Civil de 2002,
bem como divergência jurisprudencial.
Sustenta
que não abandonou
a filha, conforme
foi afirmado pelo Tribunal de origem e, ainda que assim
tivesse procedido, esse fato não se reveste de
ilicitude, sendo a
única punição legal
prevista para o
descumprimento das obrigações relativas ao
poder familiar – notadamente
o abandono –
a perda do respectivo poder familiar –, conforme o
art. 1638 do CC-2002.
Aduz,
ainda, que o
posicionamento adotado pelo TJ/SP
diverge do entendimento do STJ
para a matéria, consolidado pelo julgamento do
REsp n º 757411/MG, que afasta a possibilidade de compensação por
abandono moral ou afetivo.
Em pedido sucessivo, pugna pela redução do valor
fixado a título de compensação por danos morais.
Contrarrazões:
reitera a recorrida
os argumentos relativos
à existência de abandono
material, moral, psicológico e humano de
que teria sido vítima desde seu
nascimento, fatos que
por si só
sustentariam a decisão
do Tribunal de origem, quanto ao reconhecimento do abandono e a fixação
de valor a título de compensação por dano moral.
Juízo
prévio de admissibilidade: o TJ/SP
admitiu o recurso especial (fls. 567/568, e-STJ).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.242 - SP (2009/0193701-9)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE :
A. C. J. S.
ADVOGADO : ANTÔNIO CARLOS DELGADO LOPES E OUTRO(S)
RECORRIDO : L. N. O.
S.
ADVOGADO : JOÃO LYRA NETTO
VOTO
Sintetiza-se a lide em determinar se o abandono
afetivo da recorrida, levado a efeito
pelo seu pai,
ao se omitir
da prática de
fração dos deveres inerentes à paternidade, constitui elemento
suficiente para caracterizar dano moral compensável.
1. Da existência do dano moral nas relações familiares
Faz-se
salutar, inicialmente, antes
de se adentrar
no mérito propriamente dito,
realizar pequena digressão
quanto à possibilidade
de ser aplicada às relações
intrafamiliares a normatização referente ao dano moral.
Muitos,
calcados em axiomas
que se focam
na existência de singularidades na
relação familiar –
sentimentos e emoções
– negam a possibilidade de se indenizar
ou compensar os
danos decorrentes do descumprimento das obrigações parentais a
que estão sujeitos os genitores.
Contudo,
não existem restrições
legais à aplicação
das regras relativas à
responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no Direito
de Família.
Ao revés, os textos legais que regulam a matéria (art.
5,º V e X da CF e arts. 186 e 927 do CC-02) tratam do tema de maneira ampla e
irrestrita, de onde é possível se inferir
que regulam, inclusive, as relações
nascidas dentro de um núcleo
familiar, em suas diversas formas.
Assim, a questão – que em nada contribui para uma
correta aplicação da disciplina relativa ao dano moral – deve ser superada com
uma interpretação técnica e sistemática
do Direito aplicado
à espécie, que
não pode deixar
de ocorrer, mesmo ante os intrincados meandros das relações familiares.
Outro aspecto que merece apreciação preliminar, diz
respeito à perda do poder familiar
(art. 1638, II,
do CC-02), que
foi apontada como
a única punição possível de ser
imposta aos pais que descuram do múnus a eles atribuído, de dirigirem a criação
e educação de seus filhos (art. 1634, II, do CC-02).
Nota-se,
contudo, que a
perda do pátrio
poder não suprime,
nem afasta, a possibilidade
de indenizações ou
compensações, porque tem
como objetivo primário resguardar
a integridade do
menor, ofertando-lhe, por
outros meios, a criação
e educação negada
pelos genitores, e
nunca compensar os prejuízos advindos do malcuidado recebido
pelos filhos.
2. Dos elementos necessários à caracterização do dano
moral
É das mais
comezinhas lições de
Direito, a tríade
que configura a responsabilidade civil subjetiva: o dano, a
culpa do autor e o nexo causal. Porém, a simples lição
ganha contornos extremamente
complexos quando se focam
as relações familiares, porquanto
nessas se entremeiam
fatores de alto
grau de subjetividade, como afetividade, amor, mágoa, entre outros, os quais dificultam,
sobremaneira, definir, ou
perfeitamente identificar e/ou
constatar, os elementos configuradores do dano moral.
No
entanto, a par
desses elementos intangíveis,
é possível se visualizar, na relação entre pais e
filhos, liame objetivo e subjacente, calcado no vínculo biológico ou mesmo
autoimposto – casos de adoção –, para os quais há preconização constitucional e
legal de obrigações mínimas.
Sendo esse elo fruto, sempre, de ato volitivo,
emerge, para aqueles que concorreram
com o nascimento ou adoção, a responsabilidade decorrente de suas ações e
escolhas, vale dizer, a criação da prole.
Fernando Campos Scaff retrata bem essa vinculação
entre a liberdade no exercício das
ações humanas e
a responsabilidade do
agente pelos ônus correspondentes:
(...)
a teoria da
responsabilidade relaciona-se à
liberdade e à racionalidade humanas,
que impõe à
pessoa o dever
de assumir os
ônus correspondentes a fatos a ela referentes. Assim, a responsabilidade
é corolário da faculdade de
escolha e de
iniciativa que a
pessoa possui no
mundo, submetendo-a, ou o respectivo patrimônio, aos resultados de suas
ações que, se contrários à ordem jurídica, geram-lhe, no campo civil, a
obrigação de ressarcir o dano, quando
atingem componentes pessoais,
morais ou patrimoniais
da esfera jurídica de
outrem.(Da culpa ao
risco na responsabilidade civil
in: RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz; MAMEDE, Gladston; ROCHA, Maria Vital
da (coords.). Responsabilidade civil contemporânea. São Paulo, Atlas, pag. 75)
Sob esse aspecto,
indiscutível o vínculo
não apenas afetivo,
mas também legal que une pais e filhos, sendo monótono o entendimento
doutrinário de que, entre
os deveres inerentes
ao poder familiar,
destacam-se o dever
de convívio, de cuidado,
de criação e
educação dos filhos, vetores
que, por óbvio, envolvem a
necessária transmissão de
atenção e o
acompanhamento do desenvolvimento
sócio-psicológico da criança.
E é esse vínculo que deve ser buscado e mensurado,
para garantir a proteção do filho quando o sentimento for tão tênue a ponto de
não sustentarem, por si só, a manutenção física e psíquica do filho, por seus
pais – biológicos ou não.
À luz desses parâmetros, há muito se cristalizou a
obrigação legal dos genitores ou adotantes,
quanto à manutenção
material da prole,
outorgando-se tanta relevância
para essa responsabilidade, a
ponto de, como meio
de coerção, impor-se a prisão
civil para os que a descumprem, sem justa causa.
Perquirir,
com vagar, não sobre
o dever de
assistência psicológica dos pais
em relação à prole – obrigação inescapável –, mas sobre a viabilidade técnica de
se responsabilizar, civilmente,
àqueles que descumprem
essa incumbência, é a
outra faceta dessa moeda e
a questão central
que se examina neste recurso.
2.1. Da ilicitude e da culpa
A
responsabilidade civil
subjetiva tem como
gênese uma ação,
ou omissão, que redunda em dano
ou prejuízo para terceiro, e está associada, entre outras situações, à
negligência com que o indivíduo pratica determinado ato, ou mesmo deixa de
fazê-lo, quando seria essa sua incumbência.
Assim, é necessário se refletir sobre a existência de
ação ou omissão, juridicamente relevante,
para fins de configuração
de possível responsabilidade
civil e,
ainda, sobre a
existência de possíveis
excludentes de culpabilidade incidentes à espécie.
Sob esse aspecto,
calha lançar luz sobre
a crescente percepção
do cuidado como valor
jurídico apreciável e
sua repercussão no
âmbito da responsabilidade civil,
pois, constituindo-se o cuidado fator curial à formação da personalidade do
infante, deve ele ser
alçado a um
patamar de relevância
que mostre o impacto que tem na higidez psicológica do futuro adulto.
Nessa
linha de pensamento,
é possível se
afirmar que tanto
pela concepção, quanto pela adoção, os pais assumem obrigações jurídicas
em relação à sua prole, que vão além daquelas chamadas necessarium vitae.
A ideia subjacente é a de que o ser humano precisa,
além do básico para a sua manutenção – alimento, abrigo e saúde –, também de
outros elementos,
normalmente
imateriais, igualmente necessários
para uma adequada formação – educação, lazer, regras de conduta, etc.
Tânia da Silva
Pereira – autora
e coordenadora, entre
outras, das obras Cuidado e
vulnerabilidade e O cuidado como
valor jurídico – acentua
o seguinte:
O cuidado como 'expressão humanizadora',
preconizado por Vera Regina Waldow,
também nos remete
a uma efetiva
reflexão, sobretudo quando estamos diante
de crianças e
jovens que, de
alguma forma, perderam
a referência da família
de origem(...).a autora
afirma: ' o
ser humano precisa cuidar de outro ser humano para realizar a sua humanidade, para crescer no
sentido ético do termo. Da mesma maneira, o ser humano precisa ser cuidado
para atingir sua plenitude, para que
possa superar obstáculos e dificuldades da vida
humana'. (Abrigo e alternativas
de acolhimento familiar, in:
PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. O cuidado como valor jurídico.
Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 309)
Prossegue a autora afirmando, ainda, que:
Waldow
alerta para atitudes
de não-cuidado ou
ser des-cuidado em situações de dependência e carência que
desenvolvem sentimentos, tais como, de se sentir impotente, ter perdas e ser
traído por aqueles que acreditava que iriam cuidá-lo. Situações graves de
desatenção e de não-cuidado são relatadas como sentimentos de alienação e perda
de identidade. Referindo-se às relações humanas
vinculadas à enfermagem
a autora destaca
os sentimentos de desvalorização como
pessoa e a
vulnerabilidade. 'Essa experiência
torna-se uma cicatriz que, embora possa ser esquecida, permanece latente
na memória'. O cuidado dentro
do contexto da convivência familiar
leva à releitura de toda a
proposta constitucional e
legal relativa à
prioridade constitucional para a
convivência familiar. (op. cit. pp
311-312 - sem destaques no original).
Colhe-se
tanto da manifestação
da autora quanto
do próprio senso comum que o desvelo
e atenção à
prole não podem
mais ser tratadas
como acessórios no processo de criação, porque, há muito, deixou de ser intuitivo que o
cuidado, vislumbrado em suas diversas manifestações psicológicas, não é apenas
uma fator importante, mas essencial à criação e formação de um adulto que tenha
integridade
física e psicológica
e seja capaz
de conviver, em
sociedade, respeitando seus limites,
buscando seus direitos,
exercendo plenamente sua cidadania.
Nesse sentido, cita-se, o estudo do piscanalista
Winnicott, relativo à formação da criança:
[...] do
lado psicológico, um bebê privado
de algumas coisas
correntes, mas necessárias, como
um contato afetivo,
está voltado, até
certo ponto, a perturbações no seu
desenvolvimento emocional que se revelarão através
de dificuldades pessoais, à medida
que crescer. Por outras
palavras: a medida que a
criança cresce e
transita de fase
para fase do
complexo de desenvolvimento interno,
até seguir finalmente
uma capacidade de relacionação, os pais
poderão verificar que a sua boa assistência constitui um ingrediente
essencial. (WINNICOTT, D.W. A criança e o seu mundo. 6ª ed. Rio de Janeiro:LTC,
2008)
Essa
percepção do cuidado
como tendo valor
jurídico já foi, inclusive, incorporada em nosso ordenamento jurídico, não com
essa expressão, mas com locuções
e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.
Vê-se hoje nas normas constitucionais a máxima
amplitude possível e, em paralelo, a cristalização do entendimento, no âmbito
científico, do que já era empiricamente percebido: o cuidado é fundamental para
a formação do menor e do adolescente; ganha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute
mais a
mensuração do intangível
– o amor
– mas, sim,
a verificação do cumprimento, descumprimento, ou
parcial cumprimento, de uma obrigação
legal: cuidar.
Negar ao cuidado o status de obrigação legal importa
na vulneração da membrana constitucional de proteção ao menor e adolescente,
cristalizada, na parte final do
dispositivo citado: “(...)
além de colocá-los
a salvo de
toda a forma de negligência
(...)”.
Alçando-se,
no entanto, o
cuidado à categoria
de obrigação legal supera-se o
grande empeço sempre
declinado quando se
discute o abandono afetivo – a impossibilidade de se
obrigar a amar.
Aqui não se
fala ou se
discute o amar
e, sim, a
imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário
da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.
O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os
lindes legais, situando-se, pela sua
subjetividade e impossibilidade de
precisa materialização, no
universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião.
O cuidado, distintamente, é
tisnado por elementos
objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e
comprovação de seu cumprimento, que exsurge
da avaliação de
ações concretas: presença;
contatos, mesmo que não
presenciais; ações voluntárias
em favor da prole;
comparações entre o tratamento
dado aos demais
filhos – quando
existirem –, entre
outras
fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do
julgador, pelas partes.
Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.
A
comprovação que essa
imposição legal foi descumprida
implica por certo, a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de
omissão, pois na hipótese o non facere que
atinge um bem
juridicamente tutelado, leia-se,
o necessário dever de criação,
educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal.
Fixado esse ponto, impõe-se, ainda, no universo da
caracterização da ilicitude, fazer-se pequena digressão sobre a culpa e sua
incidência à espécie.
Quanto a essa monótono o entendimento de que a conduta
voluntária está diretamente associada à caracterização do ato ilícito, mas que
se exige ainda, para a caracterização deste, a existência de dolo ou culpa
comprovada do agente, em relação ao evento danoso.
Eclipsa,
então, a existência de ilicitude, situações que, não
obstante possam gerar algum tipo de distanciamento entre pais e filhos, como o
divórcio, separações temporárias, alteração
de domicílio, constituição
de novas famílias, reconhecimento de orientação
sexual, entre outras, são decorrências das mutações e orbitam o universo dos
direitos potestativos dos pais – sendo certo que quem usa
de um direito
seu não causa
dano a ninguém
(qui iure
suo utitur neminem laedit).
De igual forma, não caracteriza a vulneração do dever
do cuidado a impossibilidade prática de sua prestação e, aqui, merece serena
reflexão por parte dos julgadores, as
inúmeras hipóteses em
que essa circunstância
é verificada, abarcando desde a
alienação parental, em seus diversos graus – que pode e deve ser arguida
como excludente de
ilicitude pelo genitor/adotante que
a sofra –, como
também outras, mais costumeiras,
como limitações financeiras, distâncias geográficas etc.
Todas
essas circunstâncias e
várias outras que se
possam imaginar podem e devem ser
consideradas na avaliação dos cuidados dispensados por um dos pais
à sua prole,
frisando-se, no entanto,
que o torvelinho
de situações práticas da
vida moderna não
toldam plenamente a
responsabilidade dos pais naturais ou adotivos, em relação a seus
filhos, pois, com a decisão de procriar ou adotar, nasce igualmente o
indelegável ônus constitucional de cuidar.
Apesar das inúmeras hipóteses que poderiam justificar
a ausência de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, não
pode o julgador se olvidar que deve
existir um núcleo mínimo de cuidados parentais com o menor que, para além do mero
cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade,
condições para uma
adequada formação psicológica
e inserção social.
Assim,
cabe ao julgador
ponderar – sem
nunca deixar de
negar efetividade à norma
constitucional protetiva dos
menores – as situações fáticas que tenha à disposição
para seu escrutínio, sopesando, como ocorre em relação às necessidades
materiais da prole, o binômio necessidade e possibilidade.
2.2 Do dano e do nexo causal
Estabelecida a assertiva de que a negligência em
relação ao objetivo dever de cuidado
é ilícito civil,
importa, para a
caracterização do dever
de indenizar, estabelecer a existência de dano e do necessário nexo
causal.
Forma
simples de verificar
a ocorrência desses
elementos é a existência
de laudo formulado por
especialista, que aponte
a existência de uma
determinada patologia psicológica e a vincule, no todo ou em parte, ao
descuidado por parte de um dos pais.
Porém, não se deve limitar a possibilidade de
compensação por dano moral a situações símeis aos exemplos, porquanto inúmeras
outras circunstâncias dão azo à compensação,
como bem exemplificam
os fatos declinados
pelo Tribunal de origem.
Aqui, não obstante
o desmazelo do
pai em relação
a sua filha, constado desde
o forçado reconhecimento da
paternidade – apesar
da evidente presunção de sua
paternidade –, passando
pela ausência quase
que completa de contato
com a filha
e coroado com
o evidente descompasso
de tratamento outorgado aos filhos
posteriores, a recorrida logrou
superar essas vicissitudes
e crescer com razoável
aprumo, a ponto
de conseguir inserção
profissional, constituir
família, ter filhos,
enfim, conduzir sua
vida apesar da
negligência paterna.
Entretanto,
mesmo assim, não
se pode negar
que tenha havido sofrimento, mágoa
e tristeza, e que esses sentimentos ainda
persistam, por ser considerada
filha de segunda classe.
Esse
sentimento íntimo que
a recorrida levará,
ad perpetuam , é perfeitamente apreensível e exsurge,
inexoravelmente, das omissões do recorrente no
exercício de seu dever
de cuidado em relação
à recorrida e também de suas ações, que privilegiaram parte de sua
prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa e traduzindo-se, assim, em causa eficiente à
compensação.
Dessa
forma, está consolidado
pelo Tribunal de
origem ter havido negligência do recorrente
no tocante ao cuidado
com a sua prole
– recorrida –.
Ainda, é prudente sopesar da consciência do recorrente
quanto as suas omissões, da existência
de fatores que
pudessem interferir, negativamente, no relacionamento pai-filha,
bem como das
nefastas decorrências para
a recorrida dessas omissões –
fatos que não podem ser reapreciados na estreita via do recurso especial. Dessarte,
impende considerar existente o dano moral, pela concomitante existência da
tróica que a ele conduz: negligência, dano e nexo.
3. Do valor da compensação
Quanto ao valor da compensação por danos morais, já é
entendimento pacificado, neste Tribunal, que apenas excepcionalmente será ele
objeto de nova deliberação, no STJ, exsurgindo a exceção apenas quanto a
valores notoriamente irrisórios ou exacerbados.
Na hipótese, não obstante o grau
das agressões ao dever de cuidado, perpetradas
pelo recorrente em
detrimento de sua
filha, tem-se como demasiadamente elevado o valor fixado
pelo Tribunal de origem - R$ 415.000,00 (quatrocentos e quinze mil reais) - ,
razão pela qual o reduzo para R$ 200,000,00 (duzentos mil
reais), na data
do julgamento realizado
pelo Tribunal de
origem (26/11/2008 - e-STJ, fl. 429), corrigido desde então.
Forte nessas razões,
DOU PARCIAL PROVIMENTO
ao recurso especial, apenas para
reduzir o valor da compensação por danos morais.
Mantidos os ônus sucumbenciais.
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